A história da Nancy


Essa história se passa no estado da Bahia, em uma cidade chamada Ipiaú.
Teremos como protagonista uma mulher guerreira, dedicada, que desde muito pequena teve que conhecer o peso da responsabilidade.

Minha mãe sempre me contou essa historia, pois aconteceu na vida dela.

Ela nasceu no ano de 1959, em uma cidade chamada Valença-BA. Antes de morar definitivamente na cidade onde passaria uma boa parte da sua vida, ela morou em outros lugares. Só então, com aproximadamente 5 anos de idade, foi morar na cidade de Ipiaú, cidade esta que só sairia depois de se casar.

Com essa mudança, suas responsabilidades só aumentaram, pois ao invés de cuidar apenas de seus irmãos, Nancy teria que cuidar da casa e manter tudo na mais perfeita ordem.
Ela foi uma garota que precisou trocar as brincadeiras por afazeres domésticos.

Ela me contava que na casa onde morava não havia água encanada, luz elétrica, nem mesmo um fogão a gás, pois era uma família muito humilde que não tinha condições de manter um padrão de vida considerado alto naquele tempo.

Porém era preciso se virar com o que tinham. No lugar da luz, era utilizado “candeeiro” uma espécie de luminária feita com lata ou vidro, um pavio confeccionado com algodão e era à base de querosene.
O fogão não era nenhum Brastemp. Era a lenha que, mesmo assim, muita s vezes faltava para queimar. Então era utilizado um outro instrumento chamado fogareiro, uma espécie de lata, estilo dessas de tinta, com perfuração na lateral, onde era encaixada uma madeira. Por cima da lata colocava-se uma outra. Isso era feito para preservar um espaço, entre o pó de serra que seria colocado e socado até encher a lata. Terminado o processo, essas madeiras eram retiradas. No espaço que ficava era colocado um pouco de querosene e, por fim, o fogo. Feito isto Nancy conseguiria cozinhar o dia inteiro e ainda esquentar água para que todos pudessem tomar banho.

Como não tinha água encanada, ela tinha que buscar água em um rio chamado “Rio das contas”, que ficava próximo.
Aquela garotinha acordava geralmente às 5 horas da manhã, para buscar água, com bacia ou balde maior que ela. Quando chegava em casa, coava e colocava na talha, pois ela saciaria a sede deles por aproximadamente três dias.

Toda água para consumo era retirada daquele rio, onde também se lavava roupa, louça, tomava-se banho. Porém a maior disputa era para lavar roupa, pois quem chegasse primeiro pegaria a melhor pedra, teria acesso mais rápido ao areião que era utilizado para secar e quarar as roupas.
Também me contava que quase diariamente ia para o rio arear as panelas. Acreditem se quiser, mas o que todos temiam realmente é que aquele rio era utilizado como matadouro de vacas, e por muitas vezes, quando eles estavam desempenhando seus afazeres, algumas vacas escapavam do laço causando uma grande correria e temor.
Todos começavam a correr para escapar da fúria da vaca, inclusive minha mãe, tão pequenina e indefesa que subia uma enorme ladeira, chorando e gritando apavorada.
Muitas das vezes, a bacia de roupa, de louça ou balde de água que ela carregava na cabeça caía pelo chão, perdendo assim todo o seu trabalho e esforço. Quando as coisas acalmavam, eles voltavam e recolhiam o que havia ficado para trás.
Tudo isso era feito sem perda de tempo, pois a qualquer momento poderia começar tudo novamente. É claro que depois eles riam muito do acontecido, mas no momento era um pânico total.

Nancy era uma garotinha que trabalhava muito, mas quando tinha um tempinho brincava, trocando assim o ferro de brasa por bonecas confeccionadas com sabugo de milho. Nesses raros momentos exercia sua infância. Porém, rapidamente era puxada para um mundo que não devia lhe pertencer.
Ela me contava que por muitas vezes, principalmente a partir dos 9 anos, quando ela saía com seus irmãos para levá-los ao médico e até mesmo para passeios em família, ela ficava responsável por eles. Algumas pessoas que não os conheciam, olhavam para ela e diziam:

- Tadinha, você é tão novinha e já tem tudo isso de filhos.

Até ela explicar que eram seus irmãos e não seus filhos, era muito desconfortante e, para completar, seus irmãos não a chamavam pelo nome e, sim, de mãinha.

Mas uma história bem interessante de que me recordo foi de um determinado dia em que sua mãe chegou para ela, fazendo a seguinte pergunta:

- Nancy, você vai para casa de sua avó amanhã, em Gandu?

E ela respondeu, dizendo:
- Ainda não sei mãinha. Por quê?

E ela lhe disse:
- Lá tem um rapaz querendo te conhecer.

Disse apenas isso e mais nada.
Como ela era muito tímida, ficou pensando:
- Será que é alguém querendo namorar comigo?
Porém logo se esqueceu deste assunto.
Passados alguns dias ela foi para a casa de sua avó. Chegando lá, estava perto do leiteiro passar. Sua avó pediu para que ela pegasse o leite de propósito. Inocentemente ela obedeceu a sua avó.
Uma tia de Nancy começou a dar risada, quando viu o rapaz perguntando para ela:

- Você me conhece?

Ela respondeu, dizendo:
- Não.

E ele, insistindo, falou:
- Tem certeza?

Mais uma vez ela afirmou, dizendo que não.

E ele lhe disse:
- Me chamo Nailton e sou seu irmão. Agora não dá para conversarmos, pois tenho que terminar as entregas, mas depois conversarmos.

A princípio ela achou que ele era louco, e não acreditou no que ele havia dito. Porém ao entrar na casa de sua avó, contou-lhe tudo e perguntou se era verdade. Então sua avó lhe disse que sim, e passou a lhe contar a história.
Disse que, com aproximadamente 1 ano de idade, ela tinha sido adotada a pedido do seu pai biológico, para que ela recebesse os cuidados essenciais que sua mãe biológica não dava. Com este encontro, muitas coisas mudaram, não em relação ao carinho e ao respeito que ela sentia e sente até hoje pela sua família de criação, mas em relação a um novo contexto que fazia parte da sua vida.
Quando ela conheceu seu irmão, descobriu que eles eram irmãos apenas por parte de pai. Descobriu também que seu pai biológico havia falecido, mas que ele tinha um imenso amor e carinho por ela, e que havia tomado tal decisão, pois sabia que aquela família iria dar para ela uma estrutura que ele e sua mãe não poderiam dar.
Dizem que ele tinha muito orgulho dela!

Isto não impediu a felicidade da minha mãe. Ela sempre falava que tinha tido uma vida sofrida, porém muito importante para ela.
Todas as vezes que ela ou meu pai nos contavam suas histórias, eles tinham como objetivo nos transmitir valores que não são comprados, e, sim, cultivados.

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