Praga de mãe

Morávamos no interior de Minas Gerais, meus pais, meus seis irmãos e eu. Somos uma família humilde, porém nunca nos faltou carinho e atenção dos nossos pais.

Ah, que saudades daqueles tempos que mamãe contava suas histórias para nós!

Ela casou-se bem jovem, com dezesseis anos, enquanto o papai já tinha quarenta anos, bem mais velho que ela, mas a diferença de idade nunca os abalou. Os dois foram muito felizes juntos.

Minha mãe, uma mulher batalhadora, saía bem cedo para trabalhar na roça. Quando não tinha trabalho na lavoura, ela ia para a casa de alguém, fazer farinha de meia com quem tivesse mandiocal.

Na maioria das vezes não tinha trabalho na lavoura, pois não chovia e tudo aquilo que era plantado, o sol destruía. Então, não tínhamos nada para colher.

Como demorava muito tempo para chover, não tinha água para beber, pois os poços estavam sempre secos. Por isso era preciso buscar água no boqueirão, um lugar bem distante de casa, sem falar nas trouxas de roupas que ela ia lavar no lajedo, que também era muito distante.

Mas o que realmente a preocupava eram os filhos, pois havia dias que não tinha o que comer.

Por muitas vezes me recordo que em cima do fogão de lenha ficava uma "esculateira" cheia de água fervendo e uma panela com alguns carocinhos de feijão que seriam a nossa refeição, pois como eu disse, muitas vezes nos faltava alimento, porque, como não chovia, a lavoura não produzia, o que acabava nos prejudicando.

Por muitas vezes, a minha mãe saiu de porta em porta para pedir alimento, pois não tínhamos dinheiro para comprar.

Mesmo com todas essas preocupações, mamãe não deixava de contar suas histórias para nós. Quando anoitecia, meu pai e minha mãe nos reuniam em torno do fogão de lenha para contar histórias que não eram como as de hoje, fábulas, contos de fadas, enfim. Eram histórias de algo que teria acontecido com eles ou com outras pessoas da região.

Essas histórias eram chamadas de “causos”. Tinha de alma penada, cachorro louco, entre outras. Algumas eram de arrepiar. Na hora de dormir era um sufoco, pois ficávamos todos com muito medo!

Porém, a mais temida era a de Joaquim Antonio, um homem que foi "espraguejado" pela própria mãe. Dizem que quando ele morreu virou bicho e não deu sossego para ninguém, principalmente para a sua família.

À noite, ele ia à dispensa e comia toda comida que havia na casa. Depois saia à procura de mais comida na vizinhança. Porém, a data mais temida por todos era a semana santa, pois ele ficava fazendo muito barulho, batendo nas vazias. Corria em volta das casas, montava nos cavalos à noite.

Ah! Ele também se transformava em diversos animais. Quando as pessoas viam um animal próximo de suas casas, saiam correndo e gritando:

- Olha o Joaquim Antonio!

Antes destes acontecimentos, as pessoas tinham por costume ficar sentadas nas calçadas de suas casas, à noite, proseando, mas quando chegava a quaresma e anoitecia, as pessoas se trancavam dentro de casa e só saiam quando amanhecia.

Até hoje, em Minas Gerais, as pessoas têm medo quando ouvem esta história.

FIM


GLOSSÁRIO

Lajedo - local onde se buscava água, lavava roupa, era como se fosse um rio.

Esculateira - bule ou chaleira.

Vasias - vasilhas

Farinha de meia - sócios de um alimento, em que um fornecia os materiais e o outro a mão de obra. Depois de pronto ,era dividido.

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